A vida de um aprendiz de malabares

Lucas  Barreto manipulando bolinhas no ar.

Lucas Barreto tem onze anos, é estudante e aprendiz de malabares –Eu ensaio malabares, eu já estou jogando cinco bolinhas, ai eu vou aprendendo aos poucos– O menino que está na quinta série colegial diz que quer seguir a carreira de malabarista e que sua família, que também é do circo, o apóia e incentiva a continuar – Minha família é minha inspiração, a minha mãe fala pra eu estudar muito e me dá força pra continuar no malabares também, ela fala pra eu comer muita salada e beber muita água pra não acabar minha força, ela fala pra eu continuar a treinar pra poder estar cada vez mais no palco, e meu pai e eu pretendemos fazer rebot, que é um tipo de malabares com as bolinhas. Meus tios sempre falam pra eu continuar nessa carreira como malabarista, eles dizem “ensaia porque quando você crescer vai ser um bom malabarista, você vai viajar a trabalho pra fora do Brasil”, todo mundo dá força pra eu continuar.
Barreto conta que em sua primeira apresentação, antes de entrar no palco ficou muito nervoso –Eu fiquei lá no fundo do palco “ah, eu não vou conseguir”– e depois que entrou passou o nervoso e ele viu que era exatamente daquilo que ele gostava, da emoção de estar no palco –O que vem mais na minha lembrança é o público aplaudindo, todo mundo gostando, tudo mundo batendo palma– Lucas conta ainda do incentivo recebido pelo dono do circo em que atuou pela primeira vez –Até hoje eu me lembro que o dono do circo disse que era pra eu continuar viajando, pra eu continuar pegando os outros circos que tem pela frente, pra eu seguir meu trabalho.
O aprendiz começou a treinar malabares com apenas oito anos, decidido ele justifica suas escolhas – Eu moro no circo, eu nasci em circo, eu pretendo continuar no circo, e eu sempre quis fazer algum trabalho no circo, então eu pensei “eu vou fazer malabares”, porque tem algumas coisas aqui que eu não gosto, tipo tecido, eu não gosto, então eu preferi malabares, ai eu comecei a treinar e acostumei com a ideia – E conta que tem uma rotina (quase diária) de treino de aproximadamente quarenta minutos.
Assim como todo circense, Lucas segue alguns truques de alimentação –Como de tudo um pouquinho, mas quando eu ensaio não tomo muito refrigerante, só água (...) no almoço eu não como muita batata frita, eu como sempre uma salada, como arroz e feijão.
O menino diz que não vê problemas eu viver viajando, que por um lado é ruim porque quando está habituado à escola e aos amigos, é hora de ir embora, mas se diz acostumado. E por outro lado é bom porque de tanto viajar, acaba aprendendo muitas coisas sobre os Países e os Estados aos quais o circo está em temporada –Viajo muito, viajo pra todos os lugares, vejo os espetáculos, conheço muitas pessoas de circo, isso é muito legal pra mim.

O aprendiz de malabares diz que adora o que faz.

Lucas Barreto definindo o aplauso em suas palavras, diz com espontaneidade –Pra mim o aplauso é uma emoção, é uma diversão. Sempre que você vê um aplauso do público você fala “estou orgulhoso”, você vê o aplauso do público, você pode errar, mas o público aplaude, quando você faz tudo certinho, eles aplaudem de pé até, é muita emoção pra mim.
Para o aprendiz de malabares viver é ...muito divertido.

A vida de um equilibrista

Edwin Vargas sob uma corda: show de equilíbrio.

Edwin Vargas, equilibrista colombiano nascido em vinte e dois de agosto de mil novecentos e oitenta e nove, arte popularmente chamada de caminhar no arame ou caminhar na corda bamba. Tradicional do circo, sempre esteve vinculado com trapézio, equilíbrio e palhaço.
Com treze anos, Edwin já se interessava pelo número do arame, a partir de então, foram em média de dois a três anos de preparo físico pra ser profissional. Com vinte anos Vargas já era artista em outro circo, já fazia o número do arame.
Bom, na verdade eu quis continuar no circo, e a minha maior inspiração foram os palhaços, porque eu gostava muito quando era criança, mesmo quando os palhaços faziam a mesma reprise, eu gostava de saber o que iam fazer, me fazia rir (...), eu ainda gosto dos palhaços, eu me expresso em alguns palhaços, e eu tenho um grande respeito a todos eles, porque eu acho que tem que ter muita coragem de aparecer nas cenas no picadeiro em frente às pessoas, com o propósito de fazê-las rir. E eu gostei em especial daquele número do arame, eu achei meio perigoso, eu gosto de adrenalina, eu gosto de correr risco, gostei, fiquei fazendo o arame no circo.
Se não fosse equilibrista, o artista diz que gostaria de ser professor. E conta sobre o dia a dia de sua profissão –A alimentação é específica até demais, no número de equilíbrio você tem que ser ágil, a pessoa não pode ficar muito pesada, se ficar muito pesada, fica muito lenta, para ela trabalhar melhor, o peso médio não pode passar de sessenta quilos, se passar de sessenta quilos, eu sinto lá o peso, então eu me alimento tomando um bom café da manhã, um bom almoço, e na janta diminuo a quantidade um pouco. Eu ensaio todo dia, o ensaio de manhã dura aproximadamente duas horas e à tarde faço mais uma hora.

Com aparente tranquilidade o colombiano impressiona o público.

Edwin fala sobre um fato marcante na sua carreira –Ah, são muitos, mas superar um biastra em outro país que as pessoas não falam sua língua e você chega lá e está tudo diferente, e eu cheguei lá me Israel, lá fala Hebraico, eu não sei Hebraico, e cheguei lá e não entendia o que as pessoas falavam, e era muito engraçado que eles criavam entre si coisas e achavam que eu entendia, mas eu entendia outra.
O circense parece tranquilo ao falar sobre o dia em que não mais puder exercer a sua profissão, diz que isso é por natureza do circo –As pessoas quando se aposentam deixam filhos, os pais eram os filhos, e os filhos quando os pais estão na idade que se aposentam, os filhos ajudam os pais, os pais tem um circo, tem pais que montaram um circo, cada família trabalha em um circo, e ao final, supomos que eu vire um empresário de um circo pequeno, muito menor que este, o circo fica como um circo familiar, mas fica como um circo escola, circo para as crianças, para os próximos, é assim sempre na tradição da Colômbia, os novos se encarregam dos mais velhos.
Edwin conta que seus pais sempre o apoiaram –Eles diziam “se você gosta, você tem que estudar e também ir lá no circo para ter as duas bases, em primeiro lugar ter as duas bases, não deixar os estudos e ir para o circo, porque ai vai ficar burro”, falavam “você precisa ter conhecimento de números pra saber tudo”.
As viagens constantes são normais para Edwin, que já está acostumado a viajar tanto –Só que fica por dentro uma emoção sabe, uma emoção de viajar, conhecer novas culturas, outras línguas, outras comidas, ai também fica aquilo “poxa, ter que deixar essa gente ai que me apoiou por muito tempo aqui no Brasil, que eu gostei”, então sempre tem aquela emoção de ir, aquela saudade que você também não quer ir, tem esses dois climas.

De olhos vendados: Edwin anda de um lado ao outro da corda.

Vargas diz que a vida no circo vale à pena porque as pessoas escolheram viver no circo porque gostam, elas gostam de agradar o público, gostam de ser aplaudida. E define o aplauso –O alimento dos artistas são os aplausos. Se não tem aplausos, as pessoas não estão cheias por dentro. Quando um artista sai de cena e não esta sendo aplaudido cem por cento, o artista se esforça mais pra ganhar aquela comida, pra se sentir cheio por dentro, e é isso que acontece, o aplauso é nossa comida, é a nossa energia.
Edwin conta que nunca sofreu um acidente em seu trabalho, mas já recebeu muitos alertas –Sempre estive de olho e sempre falo que se for da vontade de Deus(...) eu estou lá em cima, eu trabalho, eu faço a minha parte para estar cem por cento, agora, se é da vontade de Deus, as vezes falo que é Deus quem me guia, eu confio muito em Deus, eu sou cristão, ai eu falo “me ilumina, me dá capacidade de reação para se acontecer algo”, se estou no arame e escuto um barulho, ai eu paro o arame, todo mundo fala “ah, por que parou?” e complemento para finalizar e quando eu desço, olho se aconteceu algo aqui embaixo, olho se havia mexido o terreno, se um parafuso vai estragar, então sempre me da uma alerta, sempre confio em Deus. (...) Às vezes entristece você quando o número não saiu como você queria, porque você queria dar cem por cento, mas você sabe que não pode, às vezes por um problema, então me entristece sair assim e não dar meu cem por cento.
O equilibrista atravessa a corda bamba andando de bicicleta.

A palavra circo é o que motiva a vida do circense –Essa palavra me motiva porque é alegria, porque o circo se condiciona pra gente nesse caso, um círculo de família, mas não são minha família, são todos companheiros de trabalho, amigos, mas na hora que entra no circo, eles são minha família, porque eu trabalho com eles, moro com eles, compartilho muitas coisas com eles. São parte da minha família, por isso o circo é um círculo, todos que moram aqui, mesmo que não sejam artistas, que trabalham na frente, nas vendas, que ajudam no picadeiro, contra-regra, então as pessoas todas se conhecem, aqui todos nos conhecemos aqui no circo, então é difícil dizer que no circo não se está feliz, quando se está com o circo, se fica feliz, fica alegre. (...) Antes de começar o espetáculo, a gente vem por trás do palco, fazemos uma oração, todo mundo começa a falar, a trocar ideia, me deixa feliz o momento sagrado entre todos, de deixa feliz esses detalhes, assim, comunicação, eu gosto muito, me deixa feliz quando a gente se comunica, quando em vez de nos darmos um problema, damos uma solução, eu gosto quando as pessoas me criticam, porque as criticas são boas, é importante escutar as criticas porque você está trabalhando e você não está se vendo, as pessoas ficam com medo de fazer isso pra não magoar e não chatear, mas eu gosto das criticas, porque são criticas construtivas. Eu fico feliz das pessoas me assistirem e prestarem atenção no que eu faço.
Para o equilibrista viver é...eternamente, viver sonhando.

A vida de uma malabarista

Caroline em sua apresentação de malabares com claves.

Nascida em vinte e quatro de setembro de mil novecentos e noventa, Caroline Aline Rigoletto Querubim é formada em Educação Física e atua como malabarista. Vinda de família tradicional de circo, Caroline integra a quarta geração circense da sua família e começou a atuar na profissão com quatorze anos.
A minha vida toda eu passei no circo, mas eu fui fazendo vários testes em várias áreas até eu me descobrir malabarista. Na verdade, seguir essa carreira foi super comum, pra mim é o meu ambiente. Quando eu era criança eu não queria ser de circo porque eu era muito “zero” à esquerda, eu tentava fazer um número aéreo (que minha família é toda trapezista, fazem números aéreos), eu tinha muito medo. Minha mãe tentou me ensinar, eu não gostava, então ela me deixou escolher. O meu pai não era de circo, daí o meu pai conheceu a minha mãe e fugiu com o circo, então também foi um pouco de influência dele, ele era da cidade, meu pai era bancário, agora, entrou pro circo, virou palhaço, foi totalmente diferente, deu uma reviravolta nele, então eu queria mesmo era sair do circo, morar na cidade, estudar, quando eu era pequena eu pensava nisso, mas depois que eu descobri o que eu gostava que era o malabares, que é minha paixão, eu percebi que eu não precisava sair do circo pra poder estudar, fazer uma faculdade, eu podia conciliar todas as coisas que eu gostava mais, e fazer tudo o que eu queria, então eu consegui descobrir uma profissão que eu amo, continuar a tradição da minha família, estudar, então eu consegui fazer tudo dentro do circo. Meus pais me deixaram muito livre pra escolher se eu queria ser de circo ou não, e eu escolhi ser.
A artista quando questionada sobre qual outra profissão seguiria se não fosse circense, comentou que nem na época da faculdade se imaginava saindo do circo, mas que se formou pensando no futuro –Eu ainda nem sei, eu quero curtir bastante o circo, ficar bastante no circo.
E quando foi questionada sobre o dia em que não mais puder estar atuando no palco, ela respondeu –Ah, eu não sei ainda, eu pretendo crescer muito ainda dentro do circo, porque o circo é dividido em várias áreas, tem a área administrativa, tem a artística, tem de logística, tem várias áreas no circo, é uma mini empresa e uma mini cidade aqui dentro, então quando eu parar de ser artista, que eu espero que isso demore um pouco, eu pretendo cuidar da produção artística de um espetáculo, ter outras responsabilidades dentro do circo, mas se mais pra frente eu mudar, eu não sei, eu pretendo ainda continuar trabalhando com o corpo , com saúde, eu gosto muito dessa área.
Segundo Caroline, o malabares é um número que exige muita técnica e concentração, porque você está manipulando objetos no ar, então é necessário bastante treino.

A malabarista exibe seu número sentada no chão.

Hoje eu cheguei num estágio que eu não treino mais tantas horas por dia, eu faço mais a manutenção, então hoje eu treino uma duas, três horas por dia, mas no começo quando eu treinava número, eu chegava a treinar oito horas por dia. Tem erros, até hoje tem erros, mas são erros que eu já sei como driblar na hora do palco, antes eu não sabia, tinha muito nervosismo no palco vendo a platéia.
A malabarista afirmou não seguir uma alimentação muito específica, que evita comer “besteiras” para o corpo estar bonito, já que na carreira de circense trabalha muito com o corpo.
Um fato marcante na carreira da artista foi sua estréia no circo, na época começava sua carreira no mesmo circo em que sua família atuava em São Paulo – E eu sempre fui a rejeitada da família “não, a Carol nunca vai ser de circo, nunca vai ser de circo, não nasceu pro circo”, e eu dei a reviravolta em todo mundo e falei “não, olha aqui, eu vou ser de circo sim”, então foi muito emocionante a minha estréia.
Caroline Rigoletto é a única malabarista feminina do Brasil que faz malabares com seis claves (pinos de boliche) – No Brasil são poucas meninas que fazem malabares e são muitos homens, então eu escolhi uma profissão que tem o domínio mais masculino, e eu me dediquei muito, eu tenho um nível muito alto no malabares, então eu ir em encontros de malabares , em convenções de malabares, em encontros de circo, e ser reconhecida por eu ser uma malabarista mulher, e eu poder apresentar meu trabalho, eu fico muito feliz (...) É por isso que eu quero cada vez treinar mais, o reconhecimento da profissão é muito bom.
Rigoletto revela que os figurinos de suas apresentações é ela mesma quem escolhe de acordo com seus números do espetáculo, depois os apresenta para o produtor do espetáculo, e se ele aprovar, é confeccionado o figurino –Aqui eu estou apresentando um número que tem o tema mais animado, pro estilo Rock-in-Roll, é um estilo que tem um pouquinho da minha identidade, e daí eu já até pintei o cabelo pra ficar diferente, pensei um figurino de acordo com o tema do meu número e também com o tem do espetáculo.
 A artista complementa que o circo antigamente espunha a mulher com as suas curvas, usava de mais sensualidade, e hoje não, o circo hoje é visto como um espetáculo voltado para o público infantil –Vem mais criança no circo, então vamos fazer figurinos que valorizam as curvas, mas bonitos, que valorizem também o espetáculo e o artista.
Sobre as viagens constantes feitas com o circo, Caroline diz gostar, mas ao mesmo tempo diz que são muito cansativas –Aqui eu estou sozinha, eu sai de perto da minha família pra conquistar  meu espaço profissional, ser mais reconhecida, às vezes aperta muito a saudade de casa, da família, mas aqui é engraçado, aqui a gente cria uma outra família com todo mundo que tá aqui, então supre um pouco dessa necessidade, a gente vive muito junto, então na verdade o circo é uma grande família, todo mundo tá junto, a gente trabalha a maioria dos dias e passa o dia inteiro juntos trabalhando, então acaba criando um afeto especial por cada um, então cada um vira um irmão, as amigas viram a psicóloga, as mães as mais velhas, então a gente acaba suprindo um pouco dessa necessidade, mas acaba acostumando também a essa vida nômade, pra mim sempre foi muito normal, porque eu sempre viajei muito com o circo, mas tem artistas aqui que faz parte do nosso elenco que vieram viajar para essa temporada, e sofrem muito no começo, mas a gente sempre tá ali dando um apoio porque foi a profissão que escolheu, e a nossa profissão viaja.
A artista diz ainda que a parte mais especial do seu dia é quando está trabalhando, não importando se tem três ou três mil pessoas assistindo seu espetáculo, sempre tem o mesmo amor, porque ama o que faz e quer sempre demonstrar o amor que tem pelo trabalho ao público –Tem dias que a gente está cansada, mas se o público veio prestigiar a gente, não importa se tem muito ou se tem pouco, eles vieram, eles pagaram, então pra mim é muito bom, eu adoro receber o aplauso, eu adoro estar no palco, eu não tenho palavras para descrever o aplauso.
Rigoletto comenta que para continuar seu trabalho se inspira muito em sua família, porque tem uma tradição muito grande no circo, se inspira também em se apresentar e mostrar para o público que gosta do que faz – Eu me inspiro muito em mostrar para o público que eu estou apresentando o que eu amo, que eu passei a tarde inteira treinando sem público nenhum para quando eles vierem tenham esse reconhecimento por mim.

Brincando com fogo: Caroline manipula até estacas de fogo.

Para a malabarista viver é ...viver pra mim é uma felicidade, é um amor, pra mim viver é trabalho também, porque eu vivo muito o meu trabalho, então pra mim viver é um malabares, é o circo, são os meus colegas de trabalho, é estar no palco, viver pra mim é estar no palco.

A vida de uma acrobata

Show dos tecidos: a acrobata no ar presa pelas pernas e um braço.

Joyce Giorgi, de São Paulo, tem vinte e oito, é acrobata e desde os seus vinte anos dedica o tempo ao seu trabalho no circo –Eu fazia balé clássico contemporâneo, e ai eu comecei a fazer aulas o circo para ajudar no balé, comecei a fazer contorção para ajudar na flexibilidade, e depois de seis meses que eu estava fazendo aulas, a dona do circo me chamou pra trabalhar no espetáculo fazendo bailado, porque eu já dançava. Ai ela me chamou porque estava precisando de meninas, daí então eu entrei e estou até hoje, e fui aprimorando.
Joyce faz acrobacias aéreas, incluindo os números de tecido, mastro chinês, bambu, corda indiana e já fez um número de triple trapézio. Ela diz que no início fazia poucos números, apenas tecido e mastro, e quando trocou o espetáculo teve que aprender novos números.
A artista diz que se não fosse acrobata seria bailarina, que seu sonho era dançar –Eu costumo dizer que o circo me escolheu, porque eu nunca imaginei trabalhar no circo, eu entrei no circo pra me ajudar na dança e acabou sendo o contrário, a dança me ajudou muito no circo, e eu fui convidada a trabalhar pela dona do circo, e estou com ela até hoje.
A acrobata conta que o dia a dia da profissão é bem rigoroso, principalmente quando precisa montar um número –Eu ensaio mais ou menos três horas por dia, além dos ensaios no aparelho, tem os de preparo físico, porque nós precisamos ganhar força, precisamos estar leve, precisamos alongar e ter flexibilidade. E a alimentação saudável tem muita importância, porque a gente trabalha muito. O nosso corpo precisa estar bem pra poder aguentar a rotina de espetáculos no frio e principalmente no calor, porque nos desgasta bastante, a gente transpira muito, então temos que estar com o corpo cem por cento.

Artistas fazem acrobacias no ar segurando-se em tecidos.

Joyce relata que o mais marcou sua carreira nesses oito anos de circo foi o fato de pela primeira vez estar participando de um circo itinerante, porque sempre trabalhou em circo fixo –Eu sempre fui trabalhar e voltava pra minha casa, só que no começo do ano, o circo fechou pra mudar de terreno, e como ele é fixo, é um processo mais demorado, a lona é muito grande, então a dona do circo falou “oh, pra vocês não ficarem vão lá pra lona lilás, que é itinerante, ficam lá, e ai quando voltar vocês voltam”, porque nós só recebemos se nós trabalharmos, então se o circo ficar parado a gente não recebe, ai eu aceitei e estou aqui, então isso é o marcante, porque trabalhei todo esse tempo, esses oito anos em circo e nunca viajei (...), é um processo novo pra mim, eu gostei bastante, é bem legal, conhecer pessoas novas e conhecer essa coisa do circo que é a mudança.
Dependendo do espetáculo e dos números apresentados, os figurinos são do circo ou são particulares e elaborados por Joyce –Na medida do possível, porque tem sempre uma supervisão da dona, ela não gosta de coisa muito pelada, aquela coisa do circo, das meninas de biquíni e muito strass, ela jaá não gosta muito, eu também acho legal isso, pra ver que nós não estamos no circo pra mostrar o corpo, nós estamos pra mostrar a nossa arte, então eu acho isso até legal, porque as pessoas as vezes ficam meio receosas, antigamente eu acho né, de ir no circo porque “ah, vai ver mulher pelada”, não aqui não é assim.
A aposentadoria é um assunto que preocupa um pouco Joyce, a artista diz que acrobata não exerce a profissão até idade avançada e coloca em pauta os seus vinte e oito anos, então faz planos para um futuro próximo, ela quer dar continuidade em sua faculdade que teve de deixar um pouco em segundo plano por conta da vida circense corrida.
A acrobata diz que conheceu seu noivo no circo, e isso facilita um pouco as viagens –Imagina se eu tivesse um namorado em São Paulo?! Quem trabalha com circo itinerante tem esse problema –  E a vida pessoal, apesar da saudade da família –Eu nunca tinha viajado com o circo e já estou há dois meses aqui, então a saudade está gigantesca, se você for conversar com as outras pessoas, tem gente que tem o trailler e mora no circo, eu não, tive que me adaptar, porque mora junto com gente que você não está acostumado, são amigos, são pessoas que você está trabalhando sempre e acabam sendo sua família, porque assim, o circo aluga uma casa pra nós ficarmos hospedados. É uma experiência muito nova, é bacana, é um super aprendizado, até pra aprender a lidar com as manias de cada um, com as características de cada um, você acaba se aproximando desses colegas, porque nós estamos longe das nossas famílias, então eles são a nossa família.

A circense exibe-se virada de cabeça para baixo. 

Joyce afirma que vale a pena todo o esforço que faz pelo trabalho, porque é visível a reação das pessoas, o público admira e elogia –Isso não tem preço, ver o público falando bem do seu número, e o pessoal que vende pipoca lá na frente sempre querem dar uma fugidinha bem na hora do número pra poder assistir , nossa isso é fantástico. Eu faço meu trabalho com muito amor.
Para ela, o aplauso é como se fosse o pagamento –Quando o público aplaude e grita é sensacional, é isso que nós queremos receber, e se o público estiver meio desanimado, nós tentamos alegrá-los e é isso que queremos, nós queremos tirar a emoção deles, queremos que o público saia alimentado de coisas boas, então pra isso, nos damos ao máximo para eles saírem daqui falando “nossa, que legal, muito bacana o circo, muito bacana os números, muito bacana o que eles fazem”, isso é o que existe de mais gratificante.
A maior inspiração da circense é seu pai, que sofre de esclerose múltipla e já não anda mais, Joyce ajuda a cuidar do pai –Nós não fazemos nada sozinho, precisamos uns dos outros para poder seguir, para ter alguma coisa, nós sozinhos, não só aqui, mas em todos os lugares, não conseguimos ir muito à frente, tendo uns aos outros, nós conseguimos.
Para a acrobata viver é ...fazer um bom trabalho, se você trabalha feliz, você vive bem, eu acho isso, você trabalhar com o que você gosta, trabalhando com o que você gosta você é feliz e vive bem, é isso.

A vida de um mágico e equilibrista

Show de mágicas durante o espetáculo.

Rodrigo da Silva Marinho, de vinte e sete anos, é equilibrista e mágico. Nascido em uma família tradicional do circo, começou a trabalhar no picadeiro com dez anos.
O circense diz que resolveu seguir a carreira no circo porque quando era criança sempre estava viajando –Eu nasci em Campinas, mas nunca morei em lugar nenhum, sempre estive viajando– então era difícil sair do circo para seguir outra profissão – Meu pai e minha mãe não eram tradicionais de circo, eles entraram já mais velhos, eu e meu irmão já nascemos no circo, meu irmão hoje já não está mais no circo, ele trabalha com outra área. Em dois mil e sete nós fomos para um circo fixo em São Paulo, ai eu comecei a fazer faculdade, mas eu tive que parar porque eu tive que viajar de novo.
Rodrigo conta que se não fosse circense ele não sabe em que direção seguiria, pois começou a faculdade de Educação Física porque está relacionado ao trabalho no circo, segundo ele, é uma área que se identificou por uma vida inteira estar fazendo atividade física.
Mas é uma coisa interessante, eu não tenho como saber se é ruim, se é bom, porque nós já nascemos nesse meio, é diferente de quem mora em casa e depois entra, você vê a diferença, para nós que sempre vivemos assim, isso é comum. Eu acho legal, tem o lado positivo e o lado negativo, nós viajamos bastante, conhecemos muitas pessoas, muitas coisas, é bem legal. A gente tenta sempre passar para o público a nossa arte, uma energia boa, e nós sempre que estreamos em uma praça nova, é uma energia nova e é um ânimo novo.

Equilibrando-se em cima de uma tábua e um cilindro.
O equilibrista, que em dois mil e três foi o vencedor do quadro do programa do Faustão Se vira nos 30, com um número de equilíbrio, revela como é o dia a dia de sua profissão –É legal, é bem gratificante, é uma coisa que eu gosto muito pelo fato de não ser sempre a mesma coisa, então todo dia você tem que entrar muito concentrado, porque é arriscado. Hoje eu treino de duas a três horas por dia, mas tem vários números diferentes no circo, e cada número exige um tempo certo de treino, depende de quem faz, número de força tem um certo tipo de treinamento, por exemplo, mágica já tem outro tipo de treinamento, muda bastante o tempo e a intensidade dos treinos. Com relação à alimentação, a gente tenta ter uma alimentação balanceada, devido a fazer atividade física e também pra nos manter saudáveis, como tem bastante show, a gente tem que estar com uma energia boa.
O artista diz que o papel de um mágico é ainda mais complicado, porque tem mágicas que só podem ser usadas com público de frente, e outras que se pode usar público nas laterais também, então depende muito do ambiente e do público alvo –Tem algumas mágicas que são tradicionais, e a gente costuma fazer, mas nós tentamos mudar, assim como em todo espetáculo. Nós mudamos as mágicas dependendo do público e do lugar onde estamos trabalhando.
No número de mágica se tiver algum erro é um pouco complicado, porque você está enganando o público, então eles recebem isso de uma maneira diferente. Por exemplo, no número de equilíbrio se nós erramos, o público fica até meio preocupado, porque é uma coisa mais perigosa, mas se formos novamente e acertarmos, eles ficam doidos.
O mágico expressa naturalidade ao falar sobre aposentadoria –Ah, eu acho que a gente se aposenta do picadeiro, né?!– ele diz que existem outras funções, que não são no picadeiro, que podem ser exercidas até por pessoas de mais idade –Acho que sair do circo é um pouco difícil pra quem já nasceu no circo, pode estar fora da lona, mas está fazendo alguma coisa sempre relacionada com isso, com esse meio artístico.

Rodrigo: Concentração, treinamento e equilíbrio.

Nós gostamos quando o público aplaude. Quando nós recebemos o calor do público, nós sabemos que estamos sendo valorizados. Acho que o aplauso é a prova de que nós estamos fazendo um bom trabalho, quando nós estamos passando uma coisa legal para o público que vem nos assistir, então eu acho que quando eles aplaudem é uma coisa que vale a pena pra nós artistas.
Para o mágico e equilibrista viver é... ser feliz.

A vida de uma contorcionista

A boneca do espetáculo em seu número de contorção.

Fernanda Rodrigues, paulista nascida em vinte e três de julho de mil novecentos e oitenta e seis, formada em logística, artista circense desde os dezessete anos, trabalha como contorcionista.
É amor mesmo, sou formada em logística, trabalhei em outras áreas também, mas o circo sempre me puxou, não tem jeito, eu gosto do que eu faço, tenho certeza que é o amor pela profissão. 
Primeira geração da família no circo, a artista brinca –sou lock de praça– é o nome que os colegas de profissão referem-se aos artistas que não são tradicionais de circo.
Segundo Fernanda, se ela não trabalhasse com apresentações circenses, trabalharia no meio da produção artística, a parte da contra regragem, por traz das cortinas, mas tem que ser alguma coisa relacionada a arte – Porque eu gosto dessa movimentação, não gosto de rotina, então teria que ser alguma coisa relacionada.
A artista revela que não tem segredos com sua alimentação –Eu tento não me privar de tudo, mas também sem exageros, tudo que é demais não é bom, eu evito de comer gordura, porque  a gente desacelera, mas é só se cuidar sem exageros – E conta ainda sobre seu preparo físico e treinamento para contorção – Tem a rotina de musculação pra manter uma manutenção do corpo, pra saúde de fortalecimento que a gente tem que fazer, porque assim o corpo acostuma com a rotina de exercícios. Os ensaios da contorção geralmente são de três a quatro horas, só da contorção, porque também tem os ensaios do circo, porque se tiver qualquer tipo de modificação no espetáculo, desde cena da boneca, principalmente de coreografia, de entrada e saída de aparelhos e de assistências (durante os outros números a gente entra como assistente para poder auxiliar nos aparelhos), então tem esse ensaio, que geralmente são mais duas ou três horas treinando.

De pernas pro ar: Fernanda durante apresentação.

A artista destaca como um fato marcante de sua carreira quando em outra empresa lhe deram a oportunidade de fazer o papel principal – Até então eu não achava que estava preparada, mas funcionou, deu muito certo – Segundo Fernanda, vários convites aconteceram depois, até ela chegar ao picadeiro dos grandes circos com personagens de destaque.
A contorcionista Fernanda é filha única, sua família é de São Paulo e ela fala sobre as viagens que faz em prol do trabalho – É um pouquinho difícil administrar, mas a minha mãe é o meu porto seguro, é a pessoa que me auxilia, que me ajuda em tudo, que me liga cobrando “tá comendo?”, “foi fazer a sua musculação?”, é quem me apóia em tudo que eu faço graças a Deus, é meu anjo da guarda. Mas eu gosto de viajar, eu gosto de lugares diferentes, conhecer pessoas, eu não gosto de rotina, então ficar muito tempo assim em um mesmo local é até complicado, às vezes a gente tem que ficar dois meses, até três, e eu acho que é muita coisa.
Fernanda quando questionada, confirma ainda que vale a pena todo o esforço pelo aplauso do público – Vale, vale por demais, é muito bom assim quando a gente finaliza desde um processo de criação, depois que você finaliza com a equipe toda você vê que realmente vale a pena, é muito bom – e caracteriza a palavra aplauso –O aplauso que eu uso é “saudade é o amor que fica”, e aplauso é um amor que fica, a felicidade que fica, então assim, é muito pessoal, uma contorção tem 2 tipos de público, o público que aplaude, que está curtindo, mas tem uns que não aplaudem, você consegue enxergar na platéia que a pessoa está concentrada em você e ela não aplaude, assim, é muito gostoso.
Ainda sobre o aplauso, Fernanda complementa –Eu também trabalhei com teatro em uma outra companhia, e o público de teatro é completamente do público do circo, eles são como se fosse educados para só se aplaudir no final, então assim, pro espetáculo do circo também em teatro é uma loucura, porque é um silêncio, só que na expressão das pessoas você consegue ver o sorriso, o que eles estão gostando, é demais, o aplauso é a alegria de momento que fica, que se apresenta ali na hora, é muito bom.
Pedi uma palavra que motive o dia a dia, e ela me disse –Paixão, se apaixonar todo dia, eu falo que se a gente não tiver paixão pra tudo que a gente faz, não tem graça, a paixão pela vida, pela família, por si próprio, por tudo, pelo trabalho que você faz, por que tem algumas coisas que te põe pra traz, por exemplo, o cansaço “Ah, não vou fazer aquilo”, “Ah, só um pedacinho não vai me engordar”, não! Então você tem que ter foco e paixão pelas coisas que você faz que nada se desencaminha.

Concentração e treinamento é o sucesso do seu trabalho.

Como maior inspiração, Fernanda disse que são os amigos do próprio trabalho, artistas internacionais que busca manter contato por meio de mensagens, e duas treinadoras que moram em São Paulo.
A artista diz que o que a entristece é a falta de respeito de pessoas que não tem tanto conhecimento de quanto os circenses trabalham, os subjugam e desvalorizam o trabalho –Infelizmente o circo brasileiro não é tão valorizado, então as pessoas quando vêem alguma coisa de fora, dos outros países? “Ah, porque é bom”, só que ela não sabe reconhecer a própria arte que tem dentro do seu país– E o que a faz feliz, define em poucas palavras –Ah tudo, acho que a paixão está aqui dentro, realizada, por exemplo, eu sou de fora, não sou de família tradicional, então muita coisa eu aprendi sozinha, outras com apoio dos meus amigos, então acho que eu estar fazendo o meu trabalho (...) não tem igual.
Para a contorcionista viver é...se apaixonar, se apaixonar todo dia, é isso.

A vida de um palhaço e acrobata

A alegria das crianças: O palhaço Ruxixo.

Hudson Rocha, quarenta e um anos é acrobata e palhaço. Faz parte da quinta geração circense de sua família. Nascido no circo começou a trabalhar ainda quando criança, aos três anos de idade, e aos oito anos já era o palhaço principal de uma companhia de circo no interior de São Paulo, na região de Campinas.
Quando eu era criança, mas muito criança mesmo, coisa de cinco ou seis anos, eu falava que queria ser bombeiro, o que não está muito longe de acrobacia.
Hudson é um estilo de palhaço que se chama Tony Suere, que é um palhaço que faz de tudo um pouco, então ele faz malabarismo, acrobacia de solo, acrobacia aérea, mágica, equilibrismo. Atualmente o artista não ensaia regularmente, somente quando ele quer a melhora de sua performance no palco, então o ensaio fica entre uma hora e uma hora e meia, ou quando há algo novo sendo inserido no espetáculo, então os ensaios ficam em torno de duas horas por dia.
O artista revela não ter uma alimentação específica, mas procura se alimentar bem –Como eu disse, além de palhaço eu sou acrobata, então eu não posso ficar muito pesado, tenho que ter uma boa flexibilidade, fôlego (...) ainda mais palhaço, palhaço tem que ter bastante fôlego.
Rocha comenta que um acontecimento que marcou muito sua carreira foi em um espetáculo que fez quando trabalhava em um outro circo que estava em Fortaleza –Havia um ato que eu fazia antigamente que era uma homenagem a Chaplin, ai havia um momento em que um outro personagem estava em cena e brigava comigo, ai ele batia em mim, eu ficava caído no chão, chorando, daí entrava uma criança da platéia pra me trazer uma rosa, só que essa criança já era do circo, e em fração de segundos quando eu olhei, entrou praticamente toda a criançada do circo, tinha umas quarenta, cinquenta crianças no picadeiro, ai eu tive que acabar a cena ali, a molecada queria abraçar e beijar o palhaço, era uma cena bem comovente. Foi um momento bem marcante, uma coisa que você vê a resposta direta do seu trabalho.

Na parte final do espetáculo: Hudson agradecendo a presença do público.

O artista afirma ter seus próprios figurinos porque tem acrobacias específicas, então tem todo figurino de seus espetáculos. E quando ao dia que sua aposentadoria chegar, ele responde calmamente –Ah, isso chega pra todo mundo, meus pais são aposentados hoje em dia, aposentados entre aspas, porque quando tem algum evento diferente, como é dia vinte e sete de março, dia Internacional do Circo, eles trabalham no circo da cidade onde eles moram, que é Sorocaba. E como já diz né, aposentar (...) então não vou fazer nada. Como dizia o meu vô “Nessa vida eu vou até aonde Deus quiser” vamos ver o que que vai dar, o futuro a Deus pertence, eu espero trabalhar por muito e muito tempo.
Hudson conta com muita tranqüilidade e naturalidade sobre as viagens que faz constantemente –Sou nascido em Sorocaba, interior de São Paulo, eu viajo com o circo, sou nascido em Sorocaba porque o circo estava lá, se ele estivesse no Rio, eu era carioca. Eu como no circo, eu bebo no circo, durmo, moro, o circo não é só a minha casa, não é só o meu trabalho, o circo é um mundo a parte pra gente. Pra mim essas viagens são normais, eu já nasci assim viajando (...) pra mim o que não é normal é que nem você, ficar parado todo dia no mesmo lugar, o que você deve achar que é uma loucura eu ficar andando, pra mim é muito mais louco você abrir a sua janela e é o mesmo quintal toda semana, todo dia, o meu não. Agora eu estou em uma unidade que é fixa em São Paulo, vim para o Rio para essa temporada, mas quando eu voltar, volto pra unidade fixa.
A maior inspiração do artista é o circo, e o que mais lhe entristece é quando não recebe o reconhecimento esperado pelo trabalho que faz – Tem gente que olha assim “Nossa, o cara entrou ali, trabalhou cinco minutos”, mas o cara não imagina o tanto que você ensaia e treina pra poder se apresentar cinto ou dez minutos. Sem contar que em cinco ou dez minutos, é difícil acontecer, mas é uma coisa que caminha com o artista circense, o óbito, ele está de ponta cabeça, ele está virando pra lá, ele está virando pra cá, e não para de viajar, essas estradas do Brasil são tão perigosas. Então, quando o público te aplaude, (...) o aplauso do público é o troféu, é a medalha que você esta fazendo o certo, e vai continuar fazendo. Dai eu me sinto realizado.
Para o palhaço viver é ... no circo.

A vida de um bailarino, coreógrafo e acrobata

Caio Rembrandt em um número acrobático.

Vindo de família não tradicional do circo e com o pensamento – Viva a cada segundo porque ele nunca mais voltará – Caio Rembrandt de vinte e sete anos, resolveu seguir a carreira de circense há seis anos. Nascido em São Paulo, começou sua carreira como bailarino e coreógrafo.
Eu vim pra fazer uma atividade circense e acabei conseguindo um contrato com o circo para trabalhar como coreógrafo dos artistas circenses.
Caio apesar de estar trabalhando em um circo itinerante por alguns meses, atua a maior parte do tempo em um circo fixo exibido em São Paulo.
– Dá pra levar uma vida normal, é que o ser humano se adapta, então a gente acaba se adaptando as necessidades do momento. Eu gosto de viajar, gosto de conhecer públicos diferente, de ter novas propostas de espetáculos, o mais difícil mesmo é à distância da família, porque de restante, particularmente é super positivo. Porque o artista é isso, o artista ele muda, não adianta, ele não vai ficar residindo em um teatro só ou em um circo só.
Com uma rotina de três a oito horas de treinamento dependendo da necessidade do rendimento do treino que precisa alcançar, o bailarino diz ter uma alimentação saudável, leve e que ajude na energia para o trabalho.
 – Olha, nosso dia a dia é bem corrido, e tem várias partes do espetáculo que a gente participa, né? No meu caso eu faço a parte de dança, faço a parte de assistência de cena também, e a parte acrobática, então pra isso tudo dar certo, a gente tem que estar em dia com a saúde também.

Apresentação: Circenses durante o espetáculo.
Para ele, vale a pena todo o esforço pra ver o público feliz, e acredita que o artista não trabalha pelo dinheiro e sim por amor ao que faz. Caio diz que Deus é a maior inspiração para o seu trabalho – O que me alegra é poder um dia ter pedido pra Deus a profissão da arte e Ele ter me dado com tanto gosto – e define o aplauso como – Uma das coisas mais importantes que tem, que é totalmente sincero, é o reconhecimento do nosso trabalho, do nosso esforço.

Caio e seus colegas de palco se apresentando ao público.

Segundo o artista a escolha dos figurinos usados nos espetáculos é um acordo, faz-se um estudo de acordo com a proposta do espetáculo em relação ao material que pode ser usado porque cada número artístico tem um material específico e adereços que são permitidos ou não utilizar, por questão de que o uso destes pode atrapalhar e até prejudicar fisicamente o artista.
Sobre o dia em que tiver de ser aposentar, Rembrandt explica – É um pouco triste você saber que você não pode exercer a profissão daquela maneira, mas eu nunca deixei de fazer o meu trabalho, sempre fiz cem por cento, sabe? Me entreguei ao máximo, então, quando um dia eu tiver que me aposentar na parte do trabalho físico, eu vou estar satisfeito assim.  Eu vou seguir mesmo a carreira de moda e acredito que até continue trabalhando com o circo na parte de direção e na parte coreográfica, mas eu acredito que eu vou seguir mesmo a carreira de moda.
Para o acrobata viver é ... tudo.

A vida de um trapezista aposentado e atual armador de lonas


O circense Marcos Henrique, ex-trapezista e atual armador de lonas.
      Marcos Henrique Alves Faria, nasceu em Guarulhos, no Estado de São Paulo, e é a quarta geração circense de sua família, nasceu em dezesseis de agosto de mil novecentos e cinquenta e quatro, hoje com cinquenta e nove anos, é morador de Santa Bárbara do Oeste, na região de Campinas, São Paulo.
Órfão desde muito cedo, Marcos conta um pouquinho de sua família – O único homem da família sou eu, ai é o seguinte todas as minhas irmãs são mais velhas que eu, e elas tiveram uma vida independente depois que meus pais faleceram (...) e eu fiquei ali, fiquei ali né (...) eu fiquei órfão com doze anos, mas eu já tinha absorvido essa vida circense do meu pai e da minha mãe no circo deles, no nosso circo.
Seu pai era proprietário de um circo americano, na época, circo americano era o circo que viajava, anos depois, ele desfez a sociedade com seus três irmãos, que era um circo grande, e virou proprietário de um circo pequeno, chamado de circo teatro e Marcos começou a atuar como trapezista nesse circo - Só que o circo era um circo teatro, primórdio, porque eles tinham um show no picadeiro, ai levavam isso pro palco, e tinha um show que eles chamavam de show radiofônico, que eram cantores, cantoras, danças, e no final do espetáculo, eles traziam sempre um drama ou uma comédia pra terminar, então na verdade era um espetáculo de três partes.
–Lâmpada par, isso que tem ai agora, nos anos sessenta meu pai já tinha feito da imaginação dele essas luzes coloridas de piscar estroboscópicas, e já tinha feito e nós tínhamos isso no circo, tinha os holofotes, tudo feito de cone, com lâmpada pintada e um disco ali fazendo o seqüencial, isso lá traz em sessenta, e a modernidade chegou agora, mas ele já era visionário, isso que deixa a gente, não vou dizer acima, mas com um “timezinho” a mais do que o pessoal que vive na cidade, porque a gente tem uma vivência maior, porque você acaba absorvendo um pouquinho de cada costume, de cada Estado, isso só vai aumentando o seu portfólio– entre risos o artista recorda.
O circense conta ainda que foi a partir daí que renomeados artistas como Luiz Gonzaga, Manzarote, Chitãozinho e Xororó, Toni e Tinoco, Ângela Maria, Léo Canto Robertino, e Silvo Salvos ganharam o reconhecimento público, todos eles iam no circo fazer show –Silvio Santos vinha no circo fazer “O show da caravana do peru que fala”, ele e Manuel da Nóbrega, e isso eu me lembro, que ele chegava no circo,  entrava na barraca e pegava a tampa da panela no fogão para se alimentar. Ele vinha com uma Kombi, Manuel da Nóbrega e umas meninas vendendo “baú da felicidade” e fazia o show. Outro orgulho que eu tenho, é que eu chachei com Luiz Gonzaga, chachado é uma dança do nordeste, e eu e Luiz Gonzaga, um do lado do outro dançando.  Então, essa é minha veia circense.
Marcos perdera seus pais ainda muito jovem, e foi encaminhado para um colégio interno, estudou lá por um tempo e quando saiu já era um rapaz –Entrei menino , já sai rapaz, e já sai pro circo de tiro, circo de tiro é o que a gente chama esses circos que ficam pouco tempo num lugar, que é itinerante, ai como eu já tinha toda formação, já tinha toda tarimba de circo em si, de trapézio, ai fui trabalhar como trapezista, porque já era o que eu sabia fazer, então é difícil você deixar de fazer uma coisa que você está habituado a fazer.
O artista conta que foi nessa época que surgiu a oportunidade de fazer báscula, que é uma modalidade de acrobacia, e que fez báscula durante vinte anos, quando viajou bastante –Na verdade é um trampolim (...) é um trampolim, sobe dois no trampolim e é uma gangorra, então fica um nessa parte debaixo da gangorra e pula dois aqui, então da a hora, e ele sai fazendo mortal, pirueta, double volta, tripe volta, eu no caso era o porto, subia lá, ele saia de lá, fazia um salto mortal e vinha no meu ombro, ai eu pegava ele no ombro, ai saia outro, fazia outro salto mortal, e ia pro ombro desse que já estava no meu ombro, e no final tinha mais um que saia e ia pro ombro do outro.

O ex-trapezista em um registro feito de sua acrobacia.

Com uma rotina de treinamentos intensa, Marcos ensaiou dois anos para então fazer o número de báscula –É puxado, tem que ter uma boa alimentação, porque o meu número em si era triple pesado , era pesado, eu punha duzentos e dez quilos no ombro, duzentos e dez quilos(...) tem toda uma ciência né, se você pega um objeto e atira ele pra cima, se ele pesa dez quilos, ele não vai chegar no chão com dez quilos,ele vai chegar com mais, e meu volante tinha sessenta e dois quilos,ele ia mais alto do que essa lâmpada do chão, você tinha que ir lá buscar ele, então a gente tinha uma alimentação boa, frutas, legumes, beber pouco (...) E a gente levantava cinco horas da manhã, ia até as oito da manhã treinando, ai dava um intervalo, a gente descansava, à tarde treinava mais um pouco, das cinco até às seis, que era pra gente saber o que ia fazer na hora do espetáculo, pra não confundirmos o tempo (...) é igual a menina lá dos malabares, se ela começar a jogar quatro claves, quando ela parar o ensaio dela, ela tem que jogar três, pra que ela não confunda o tempo, e era a mesma coisa a gente.
Segundo Marcos, ele é recordista na báscula –Porque eram quatro, era eu e mais três, é por isso que eu tenho uma boa estrutura, é por isso que eu tenho uma idade e ainda estou na ativa, porque uma vez atleta, se você parar engorda, apesar dos meus sessenta anos,que faço esse ano agora.
Atualmente Marcos Henrique é armador de lonas, conhecido popularmente como capataz ou prático, mas para a legislação é chamado de técnico –Eu armo e desarmo isso tudo, eu e uma equipe, normalmente de quinze homens, então, na verdade, essa aposentadoria é figurativa, porque você não aposenta, você está aqui o dia a dia no circo. Cada cone daquele ali é uma estaca, e essa estaca é fixada manualmente com a ajuda de um martelinho, e é na mão. São dois dias para armar e um dia e meio para desmontar (...) são trezentos e sessenta tábuas, seiscentas cruzetas, tipo um cavaletezinho, e tudo isso é manual, não tem como mecanizar.
Com orgulho e bom humor, Marcos conta do seu compromisso atual no circo –Você vê, agora eu estou sozinho aqui,o outro responsável, que é na verdade o capataz, não está, então a responsabilidade daqui é minha, você tem que estar aqui, é vento, é limpeza, é uma costura da lona que abre, é uma estaca que o vento força e afrouxa, você tem que ir lá refazer, então você tem essa rotina diária aqui no circo.
O ex-trapezista diz que viveu paralelamente a vida circense e a vida da cidade, conta que já trabalhou como garçom e barman –Eu sempre fui só, eu sempre fui sozinho, então não tinha problema, mesmo eu não tendo curso superior, eu me desenrolava bem, tanto é que eu até trinta anos estava trabalhando na indústria, trabalhei em casas finas de São Paulo (...) eu trabalhei doze anos em um restaurante lá em São Paulo, então em uma casa que você servia a nata da sociedade paulistana e carioca, eu tenho comigo uma lembrança, eu servi lá nesse restaurante o Príncipe Charles, ele e a comitiva de sessenta pessoas, servi também um príncipe da Espanha(...), são coisas que a gente carrega né, então eu entrei como ajudante, rapidinho fui pra barman, de barman fui a chefe de fila e ia pra métri, mas ai o circo passou e eu “opa”, larguei tudo e voltei pro circo.
De tudo o que viveu, o armador de lonas diz que só não conseguiu realizar um desejo na vida, que era a quinta altura na báscula que ele queria fazer –Eu me casei, e minha mulher não era do circo, não é do circo, ela é da cidade, então ela tem muita resistência pra poder acompanhar o nosso dia a dia no circo, você quando andou ali pra trás, observou, é um trenzinho pequeno, e quando não tem água no térreo, ai tem que pegar dois baldes, ir lá no vizinho pegar água. E não é sempre que tem essas praticidades que tem aqui, não é sempre que a gente arma em um terreno assim, às vezes é barro, é lama, e chove, e enche d’água, e ela não se adaptava muito bem a isso, e como ela era muito nova, maluquice né, eu falei “então perai, eu vou deixar o circo e vamos embora”, ai sai, sai criei meus filhos, dei educação a eles, estão lá em casa, e meu vô dizia “cara de circo tem que morrer em circo”, eu não consigo ficar em casa, eu tenho que sair, tenho que viajar, tenho que ir atrás.
Marcos, entre risos, diz que se não tivesse tido essa profissão, essa vida de artista circense, ele gostaria de ser circense. E relata um grande acontecimento que teve na sua carreira – A nossa ida pro circo Tihany, porque na minha época não existia Circo de Soleil, então o ápice do circo aqui no Brasil, era Tihany (...) todo mundo queria trabalhar lá, e nós tivemos uma briga no circo onde nós trabalhávamos e achamos melhor ir embora, porque na época tinham animais no circo, e tinha um cara que tinha um macaco, e esse macaco era muito bravo, o cara soltava o macaco, o macaco podia pegar, e se o macaco pega né? Ele decepa mesmo. Saímos e fomos pra frente do Circo Garcia, que hoje já acabou também, nós estávamos parados lá, e fomos arrumar contrato na Argentina, no Circo Roda, fomos pra Argentina, conseguimos contrato, o cara deu cinco mil dólares pra nós, de abono, que era pra gente fazer a viagem, chegamos em São Paulo, estamos arrumando nosso equipamento, os traillers pra viajar, isso era uma sexta-feira à noite, ai estamos lá assim, e de repente escutamos: “O com permisso, o com permisso”, “com permisso? Com permisso?”falei, “ deve ser os caras da Argentina”, era o Circo Tihany, o dono do circo, “vocês vão trabalhar com a gente”, “oh seu Tihany, nossa, como a gente gostaria imensamente de trabalhar com o senhor, o ápice do circo, mas a gente já tem um contrato com o Roda, e já deu bônus pra gente poder viajar”, ele falou “não, já conversei com o dono do Roda, toma mais cinco mil pra vocês e eu já dei cinco mil pra ele lá, vocês vão viajar com a gente”, então pra mim aquilo foi marcante, foi marcante porque até então não tinha um báscula, e o nosso número era um número fora de série. Existia báscula, mas não como a nossa, do porte da nossa, do pilate, sabe? Porque a gente tinha um grau de dificuldade muito grande, haja essa quarta altura, que é ombro a ombro, tripe salto mortal, double salto mortal, pirueta, duas básculas e charivari, que é uma variação. Muito valorizado,muito valorizado, então nós chegamos assim, sabe, que nem dizem os outros “por cima da carne frita” né?! “Poxa, os caras são bons” ai nós éramos bons, nós éramos bons no que fazíamos então esse foi, sabe, o que mais marcou, né?! Tihany é um circo luxuoso, só de bailarinas tinham vinte e cinco, tinham doze tigres, tinham dez leões, tinham quatro elefantes, tinham doze ursos(...). O que mais marcou foi a nossa entrada no Circo Tihany, a trupi, a nossa trupe, nós éramos em dez no picadeiro, era a trupe de acrobatas, eramos jovens né, e a gente fazia sucesso, era um número bem vestido, bem coreografado, uma boa música e toda rapaziada jovem, umas moças jovens também, então agradava, a chegar ao ponto de você terminar, quando você ia na frente do picadeiro pra cumprimentar, o pessoal levantava pra aplaudir em pé, então esse é o ápice, eu acho, do artista. E isso eu encontrei lá no Tihany.
Marcos conta que os figurinos dos shows eram desenhados e feitos por um único costureiro que fazia parte da equipe do circo –A gente só tinha um consenso de fazer uma roupa que se adaptasse bem ao tipo de movimento que a gente fazia, tinha que ser colada, não podia ser a calça frouxa porque atrapalha.
 O circense diz não ter problemas com tantas viagens que faz em prol do circo, diz ser sempre uma expectativa nova –Porque aqui você já sabe o que é, agora, a frente a gente não sabe, é o desconhecido, então é isso que impulsiona a gente, é saber, é o desafio!
E mais uma vez fala orgulhoso do seu trabalho –É o record, “não, vamos lá, vamos fazer mais rápido, vamos se empenhar um pouco mais, vamos deixar a coisa mais interessante, mais bonita”, pra quem? Para o público, né?! cada público é um público, e o artista e si, o reconhecimento dele, é o público, você entra aqui, olha assim “ah está muito bonito, está muito limpinho, está bem organizado”, isso me dá prazer, porque fui eu quem fez. Vale muito a pena, vale mais ainda você ficar aqui e escutar os comentários na saída “Poxa que legal, aquela menininha fez aquele negócio”, “ ai que bom, aquele cara é bom (...)”, isso é do que a gente sobrevive, a gente também gosta de ouvir isso.
Marcos diz que o aplauso é o alimento do artista e que sua inspiração na vida é a sua família –É o esteio, é o incentivo e o nosso apoio– E conta que o entristece ver uma lona de circo mal cuidada, e intrigas dentro do ambiente em que trabalha –Porque nós não somos nada aqui, nascemos sem roupa e vamos morrer vestidos, e não adianta o tamanho do seu patrimônio, porque a sua derradeira casa vai ser sempre a menorzinha, então pra que orgulho?!– E o que o faz feliz é a união entre o pessoal, a amizade –É sempre saber que vai chegar gente diferente, você está aqui na portaria e de repente está entrando um pessoal que você nunca viu, e você tem que ser cordial, tem que fazer uma sala, tratar bem, porque eles é quem colocam o pão lá dentro de casa, e isso me incentiva diariamente.
Para o trapezista aposentado e atual armador de lonas viver é... a vida é a essência, né?! A essência da remissão do seu ser, é aprendizado.